Monday, November 20, 2006

CAPÍTULO IV - Legislação do Ensino em face das disposições constitucionais do País a partir da República.

CAPÍTULO IV
Legislação do Ensino em face das disposições constitucionais do
País a partir da República.

a ação política continua desvalorizada e o cidadão pode ser visto apenas como o contribuinte, o consumidor, o reivindicador de benefícios individuais ou corporativos, e não do bem comum... não existe, ainda, a educação para a democracia, entendida, a partir da óbvia universalização do acesso de todos à escola, tanto para a formação de governados quanto de governantes. Não podemos aceitar que no Brasil, assim, se pense em ter “um ensino monárquico... do tipo que tem por objetivo separar os que serão sábios e governarão, daqueles que permanecerão ignorantes e obedecerão. Apatia política dos cidadãos compromete o futuro da democracia.”[21].

No campo amplo e generoso da Sociologia da Educação, a variedade de interesses e intervenções cresce paralela à velocidade e à complexidade das mudanças culturais - entendidas em todas as suas expressões - nas sociedades contemporâneas.

Assim, pretendo neste capítulo informar o que foi a educação em face da norma constitucional escrita, que, a meu ver, melhor reúne as reflexões de uma socióloga no trato com a "coisa pública", com a política e suas inarredáveis relações com a educação e os sistemas de ensino: o tema da educação para a democracia.

Este capítulo impoõe uma reflexão. Porque escolhi esse tema ? Por vários motivos, mas o principal deles diz respeito à realidade brasileira. Além da persistente cultura política oligárquica, durante o regime militar (1964-1985) o Brasil viveu um período de redução dos direitos de cidadania e de minimização da atividade política. Isso correspondeu a uma concepção economicista/produtivista da sociedade, na qual a única função meritória dos indivíduos é produzir, distribuir e consumir bens e serviços. Com o movimento de democratização do país e com o reconhecimento universal de que não há desenvolvimento exclusivamente no campo econômico, sem concomitante desenvolvimento social e político, a questão da educação política se tornou de fundamental importância. Hoje podemos afirmar que a cidadania é uma idéia em expansão; no entanto, a ação política continua desvalorizada e o cidadão pode ser visto apenas como o contribuinte, o consumidor, o reivindicador de benefícios individuais ou corporativos, e não do bem comum. E sequer o princípio constitucional de escola para todos consegue ser cumprido.

É sabido, também, que existe, no sistema de ensino brasileiro, um "espaço" para a educação do cidadão - na maioria das vezes como mero ornamento retórico ou, então, confundida com um vago civismo ou "patriotismo", o qual, evidentemente, varia muito de acordo com as concepções dos principais dirigentes educacionais.

Além disso, a "educação para a cidadania", presente como objetivo precípuo em todos os programas oficiais das secretarias de Educação, estaduais e municipais, independe do compromisso explícito dos diversos governantes com a prática democrática. Mas não existe, ainda, a educação para a democracia, entendida, a partir da óbvia universalização do acesso de todos à escola, tanto para a formação de governados quanto de governantes. Ao contrário, aqui ainda persiste, como no exemplo criticado por Alain no sistema francês, "um ensino monárquico, ou seja, aquele que tem por objetivo separar os que serão sábios e governarão, daqueles que permanecerão ignorantes e obedecerão". Aliás, o grande educador brasileiro Anísio Teixeira também deve ser evocado em sua crítica à "escola paternalista, destinada a educar os governados, os que iriam obedecer e fazer, em oposição aos que iriam mandar e pensar, falhando logo, deste modo, ao conceito democrático que a deveria orientar, de escola de formação do povo, isto é, do soberano, numa democracia".

Além do exemplo brasileiro, é crucial a advertência de Norberto Bobbio, para quem a apatia política dos cidadãos compromete o futuro da democracia, inclusive no chamado primeiro mundo. Dentre as "promessas não cumpridas" para a consolidação do ideal democrático, aponta ele o relativo fracasso da educação para a cidadania como transformação do súdito em cidadão. Bobbio recorre, ainda, às teses de Stuart Mill para reforçar a necessidade de uma educação que forme cidadãos ativos, participantes, capazes de julgar e escolher - indispensáveis numa democracia, mas não necessariamente preferidos por governantes que confiam na tranqüilidade dos cidadãos passivos, sinônimo de súditos dóceis ou indiferentes.

Democracia é o regime político fundado na soberania popular e no respeito integral aos direitos humanos. Esta breve definição tem a vantagem de agregar democracia política e democracia social. Em outros termos, reúne os pilares da "democracia dos antigos" - tão bem explicitada por Benjamin Constant e Hannah Arendt, como a liberdade para a participação na vida pública - aos valores do liberalismo e da democracia moderna, quais sejam, as liberdades civis, a igualdade e a solidariedade, a alternância e a transparência nos poder (contra os arcana imperi de que fala Bobbio), o respeito à diversidade e a tolerância. Educação é aqui entendida, basicamente, como a formação do ser humano para desenvolver suas potencialidades de conhecimento, julgamento e escolha para viver conscientemente em sociedade, o que inclui também a noção de que o processo educacional, em si, contribui tanto para conservar quanto para mudar valores, crenças, mentalidades, costumes e práticas.


Assim este capítulo tem por objetivo dar uma visão do Brasil, com a tradicional oposição entre o "país legal" e o "país real", a aproximação entre a realidade política e o regime democrático consagrado na Constituição vai depender, essencialmente, do esforço educacional.

QUEREMOS uma educação para a democracia. Sendo que a educação para a democracia comporta duas dimensões: a formação para os valores republicanos e democráticos e a formação para a tomada de decisões políticas em todos os níveis, pois numa sociedade verdadeiramente democrática ninguém nasce governante ou governado, mas pode vir a ser, alternativamente - e mais de uma vez no curso da vida - um ou outro.

QUEREMOS ? O que QUEREMOS ? Uma educação para a democracia, passa por três elementos que são ao meu indispensáveis e interdependentes para a compreensão educação para a democracia:

a) A formação intelectual e a informação - da antigüidade clássica aos nossos dias trata-se do desenvolvimento da capacidade de conhecer para melhor escolher. Para formar o cidadão é preciso começar por informá-lo e introduzi-lo às diferentes áreas do conhecimento, inclusive através da literatura e das artes em geral. A falta, ou insuficiência de informações reforça as desigualdades, fomenta injustiças e pode levar a uma verdadeira segregação. No Brasil, aqueles que não têm acesso ao ensino, à informação e às diversas expressões da cultura lato sensu, são, justamente, os mais marginalizados e "excluídos".
b) A educação moral, vinculada a uma didática de valores que não se aprendem intelectualmente apenas, mas sobretudo pela consciência ética, que é formada tanto de sentimentos quanto de razão; é a conquista de corações e mentes.
c) A educação do comportamento, desde a escola primária, no sentido de enraizar hábitos de tolerância diante do diferente ou divergente, assim como o aprendizado da cooperação ativa e da subordinação do interesse pessoal ou de grupo ao interesse geral, ao bem comum. Sem participação dos interessados no estabelecimento de metas e em sua execução, como já afirmava Dewey, não existe possibilidade alguma de bem comum. É preciso tempo para sacudir a apatia e a inércia, para despertar o interesses positivo e a energia ativa (Dewey). Ora, é evidente que essa é uma tarefa para a educação para a democracia.

A “Educação Para a Democracia” - consiste, em sua primeira dimensão, na formação do cidadão para viver os grandes valores democráticos que englobam as liberdades civis, os direitos sociais e os de solidariedade dita "planetária".

A educação como formação e consolidação de tais valores torna o ser humano ao mesmo tempo mais consciente de sua dignidade e da de seus semelhantes - o que garante o valor da solidariedade - assim como mais apto para exercer a sua soberania enquanto cidadão.

Em sua segunda dimensão, a “Educação Para a Democracia” consiste na cidadania ativa, ou seja, a formação para a participação na vida pública.


A educação, segundo Aristóteles, deveria inculcar o amor às leis - elaboradas com a participação dos cidadãos -, mas a lei perderia sua função pedagógica se não se enraizasse na virtude e nos costumes: "a lei torna-se simples convenção, uma espécie de fiança, que garante as relações convencionais de justiça entre os homens, mas é impotente para tornar os cidadãos justos e bons". Daí, a ligação estreita entre costumes democráticos e regime democrático, assim como a importância da educação pública para a salvaguarda da ética e do respeito às instituições. Aristóteles admite, dentro da categoria dos cidadãos ativos, a possibilidade de o governado tornar-se governante, "pois os mais nobres valores morais são os mesmos, para todos os indivíduos e para a coletividade. Cabe à Educação inculcá-los". Ora, se isso é razoável e desejável, a educação para a democracia é necessária também para formar govermantes.

Em Da Republica, Cicero defende a educação específica para o governo, "para servir o Estado". Considerava, por exemplo, estranho que os sábios, leigos na arte da navegação, se declarassem aptos a comandar um navio em situação de turbulência, embora jamais o houvessem tentado em mares tranqüilos. Justificavam o desprezo pelo estudo e o ensino das coisas do governo, da res publica, porque acreditavam poder assumi-lo em caso de crise. Ora, argumenta o cônsul romano, a simples possibilidade da responsabilidade pública exige a aquisição "de todos os conhecimentos os quais ignoramos, se, algum dia, precisarmos deles nos valer".

A “Educação Para a Democracia” na dimensão de formação de governantes significa, concretamente, a preparação para o julgamento político necessário à tomada de decisões. Trata-se de enfrentar problemas - dos mais variados tipos - e o critério para o julgamento será sempre o da justiça - decorrente dos valores da liberdade, da igualdade e da solidariedade.

Assim, a “Educação Para a Democracia” é uma formação para a discussão, para a argumentação, com o pressuposto da tolerância.

Nesta ordem de considerações, deve-se entender por valores republicanos, basicamente:

a) o respeito às leis, acima da vontade dos homens, e entendidas como "educadoras", no sentido já visto na antigüidade clássica. "Todo verdadeiro republicano", ensinava Rousseau, " bebia no leite de sua mãe o amor da pátria, isto é, das leis e da liberdade";

b) o respeito ao bem público, acima do interesse privado e patriarcal. Em nosso país trata-se de romper a tradição doméstica, tendente ao despotismo, que moldou nossos costumes (vale a pena lembrar que despotes, em grego, é pai de família, e que a família antiga, como bem observou Benjamim Constant, representava a negação de direitos e liberdades individuais);

c) o sentido de responsabilidade no exercício do poder, inclusive o poder implícito na ação dos educadores, sejam eles professores, orientadores ou demais profissionais do ensino. Em política, a responsabilidade tem dois significados, melhor compreensíveis na língua inglesa: accountabillity e responsibility. O primeiro termo significa o dever de prestar contas, englobando todos os mandatários, isto é, os que exercem o poder em nome de outrem; o segundo terno significa a sujeição de todos, governantes ou governados, ao rigor das sanções legalmente previstas. Em ambos os casos, a responsabilidade é da essência do regime democrático.

E por valores democráticos, estreitamente ligados aos republicanos, entendem-se:

a) a virtude do amor à igualdade, de que falava Montesquieu, e o conseqüente repúdio a qualquer forma de privilégio;

b) o respeito integral aos direitos humanos, cuja essência consiste na vocação de todos - independentemente de diferenças de raça e etnia, sexo, instrução, credo religioso, julgamento moral, opção política ou posição social - a viver com dignidade, o que traz implícito o valor da solidariedade;

c) o acatamento da vontade da maioria, legitimamente formada, porém com constante respeito pelos direitos das minorias, o que pressupõe a aceitação da diversidade e a prática da tolerância.

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